sexta-feira, 22 de julho de 2011

Ousar ou perecer

            Hoje, muitos se sentem estarrecidos com a sequência de escândalos, de corrupção e do crime organizado. Há espanto e insegurança. Situações injustas e imorais desafiam a sociedade. É hora de ousar.
            Ousar é mover-se e agir com destemor. Ousar é desprender-se do lugar onde se está. Ousar é desamarrar-se, é lançar-se, é atirar-se a um projeto. É atitude corajosa, é ímpeto arriscado. Ousar é buscar o novo. Ousar é fenômeno futurista.
            Ousar é emergir da quietude, é largar o estupor. É sair da neutralidade e definir-se. Ousar é romper o imobilismo. Ousar é derrubar os muros da iniquidade. Ousar é recriar uma sociedade que está em decomposição.
            Ousar é salto existencial. Os existencialistas, como Karl Jaspers, falam em Ursprung, que é o princípio, o surto original, a irrupção criadora. Ousar é experimentar outro caminho, é tentar outra saída.
            Ousar é suscitar o acontecer [pois como dizia um poeta: “quem sabe faz hora e não espera acontecer”]. François Wahl diz que “é preciso pensar no acontecer”. Ousar é fazer acontecer, e não ser empurrado pelo tempo. Ousar tem o sentido de “inventar”, de descobrir o escondido ou de criar o inexistente. Ousar é mergulhar no tumulto das possibilidades. É edificar nova histórica e nova estrutura social.
            Há o ousar da criminalidade. Delinquentes de vários tipos usam inteligência e tecnologia para a prática de atividades nocivas. Assaltam, corrompem, matam, negociam cargos públicos, prostituem menores. Alguns circulam impunes, com ares patrióticos. É preciso escorraçar a ousadia sociopática. Das quadrilhas e máfias criminosas. E também evitar o ousar ingênuo, imaturo e aventureiro. O ousar maduro é temperado pela liberdade e responsabilidade. Fundamenta-se em razões sólidas e orienta-se pelo senso crítico.
            O ousar maduro demonstra insatisfação perante desacertos econômicos, políticos, sociais, culturais e éticos. O ousar autêntico é constituído de tenacidade, risco e solidariedade. Tem a bravura de quebrar padrões mumificados e de expor-se às fúrias dos incomodados.
Ousar é promover a dignidade da pessoa humana que está sendo violentada pela crueldade e envergonhada pela miséria. Ousar é abrir clareiras que permitam enxergar horizontes fecundos para o futuro da humanidade. Ousar é rebelar a população que vem sendo cronicamente enganada, eleitoralmente, manipulada e socialmente excluída. Ousar é sustentar que o poder é do povo, e não daqueles que o exercem para acumular vantagens. Ousar é demolir costumes inveterados, é sacudir a estagnação, é emancipar a autonomia popular. Ousar é gritar que os valores e patrimônios do país pertencem à nação, e não aos governantes. Ousar é exigir que o Estado garanta educação e saúde à população pobre, em vez de garantir privilégios, lucros e segurança aos apetites dos especuladores. Ousar é implantar a justiça plena no país distorcido pela cultura da injustiça. Ousar é colocar os valores éticos como parâmetro para a sociedade.
É hora de ousar. Ousar não é dominar. Quem ousa com dignidade não oprime, não escraviza. Quem ousa com lealdade retempera os desalentados, reativa os apáticos e suscita protagonismo. Ousar é afirmar-se. A população brasileira teria de ousar mais, para influir efetivamente nos rumos do país. O povo não pode atemorizar-se, não pode cruzar os braços, não pode retrair-se, não pode calar-se. Povo que ousa é povo que supera o derrotismo e faz-se respeitar.
Há que ousar. Ousar é pulsação criadora. Ousar é tentar realizar o que ainda não foi feito. Ousar não é arrogância. É compromisso. Ousar é estilo de vida. Ousar é ser companheiro da madrugada. Ousar é ser de todas as idades. Mas é sobretudo fascínio da juventude. Ousar sempre. Sem ousar não se vive. Ousar ou perecer.
Texto extraído do livro: "Antropologia: ousar para reinventar a humanidade" de Juvenal Arduini